O apego ao velho mundo
Não é raro entrar numa imobiliária em pleno 2025 e se deparar com pastas de papel, telefones fixos tocando sem parar, contratos impressos em três vias e uma recepcionista digitando informações em uma planilha do Excel. As paredes podem estar cobertas de certificados e quadros modernos, mas o que realmente sustenta a operação ali dentro é um modelo de gestão que parou no tempo.
A pergunta que não quer calar é: por quê? Por que, em um mercado tão competitivo, onde tecnologia e eficiência são moeda corrente, tantas imobiliárias ainda insistem em viver como se fosse 1990?
A resposta é menos sobre ignorância e mais sobre medo, apego, e uma cultura profundamente enraizada no improviso.
A cultura da herança
Grande parte das imobiliárias brasileiras nasceu como negócios familiares. Fundadas por pais ou avós que construíram o patrimônio tijolo por tijolo, com muito trabalho, elas foram erguidas em um tempo em que o telefone era a principal ferramenta de vendas e a confiança pessoal valia mais do que qualquer sistema de gestão.
Essa herança moldou não apenas os processos, mas a mentalidade. A ideia de que “sempre foi assim e sempre funcionou” virou regra sagrada. Questioná-la é visto como ofensa, como se eficiência moderna fosse sinônimo de desrespeito à trajetória dos fundadores.
O resultado é uma estrutura onde o novo entra com dificuldade. Onde mudanças são recebidas com resistência, e qualquer tentativa de modernização é engolida pela rotina do “faz aí do jeito que a gente sempre fez”.
A falsa sensação de controle
Outro motivo pelo qual muitas imobiliárias se mantêm presas ao passado é a ilusão de controle. Ter tudo impresso, arquivado, manual, parece mais seguro do que confiar em um sistema digital. “Se der pau, pelo menos eu tenho aqui no papel”, dizem.
Mas essa lógica é perigosa. O que parece segurança é, na verdade, vulnerabilidade. Perdeu uma pasta? Acabou. Um funcionário saiu e levou com ele o “jeito dele de fazer as coisas”? O setor entra em colapso.
A operação depende tanto do improviso e da experiência individual que qualquer falha vira um incêndio. E, ironicamente, quanto mais se tenta manter o controle por meios antigos, mais caótica a operação se torna.
O medo da tecnologia
Não é raro ver gestores experientes desconfiando de softwares de gestão, plataformas de automação e soluções digitais. Muitos tiveram más experiências: sistemas mal implantados, promessas não cumpridas, falta de suporte técnico.
Outros simplesmente têm medo do desconhecido. Migrar para um sistema novo exige reaprender, abrir mão do papel, confiar em dados. E isso pode parecer arriscado para quem passou décadas construindo uma operação manual “que sempre deu certo”.
Mas o que esses profissionais não percebem é que o mundo mudou. E que o que antes era diferencial — ser tradicional, pessoal, artesanal — hoje pode ser sinônimo de atraso.
Falta de visão de longo prazo
A operação de aluguéis, em muitas imobiliárias, ainda é vista como um mal necessário. Algo que “traz receita recorrente, mas dá dor de cabeça”. Com isso, não se investe em gestão, tecnologia, processos ou equipe. Tudo é feito no limite do esforço humano.
Não há plano de crescimento, nem indicadores de desempenho. A meta é sobreviver ao próximo mês, apagar o próximo incêndio.
Essa miopia estratégica impede o desenvolvimento. Enquanto novas empresas surgem com processos ágeis, atendimento digital e foco no cliente, a velha guarda permanece refém de sua própria zona de conforto.
A operação reflete a mentalidade
No fundo, o problema não é tecnológico — é mental. Uma imobiliária não vive em 1990 por falta de software, mas por falta de disposição para mudar a forma de pensar.
Isso se reflete em cada detalhe:
- Contratos redigidos como se fossem cláusulas de um processo judicial
- Atendimento baseado em “boa vontade” e não em processos claros
- Cobrança feita com ligações e lembretes improvisados, ao invés de fluxos automatizados
- Falta de indicadores confiáveis para medir qualidade, satisfação e eficiência
Modernizar uma imobiliária não começa com a compra de um sistema. Começa com a coragem de olhar para dentro e admitir que o modelo atual está ultrapassado — e que continuar operando assim é como tentar dirigir um carro moderno com o manual de um Fusca.
A realidade bate à porta
O mercado não vai esperar. As startups imobiliárias, as plataformas digitais, os bancos com soluções de aluguel direto e os proprietários que alugam sem intermediação são todos sinais de que o tempo da complacência acabou.
Quem continuar operando como em 1990 terá o destino inevitável de toda empresa que não se adapta: a irrelevância.
Mas a boa notícia é que ainda dá tempo. Modernizar não significa abandonar o que funcionou — significa aprimorar, tornar mais eficiente, mais humano, mais alinhado com o presente.
Um novo caminho começa com um novo olhar
O futuro das imobiliárias não está apenas na tecnologia, mas na capacidade de repensar seu papel. A empresa que entender que alugar um imóvel é mais do que preencher um contrato — é oferecer segurança, confiança e agilidade — terá muito a ganhar.
Isso exige abandonar o apego ao passado, vencer o medo da mudança e, sobretudo, aceitar que tradição não pode ser desculpa para estagnação. Porque, se você ainda vive como se fosse 1990, é provável que seus clientes estejam vivendo em 2025 — e escolhendo quem entende isso.