Uma realidade virada do avesso
As atrapalhadas ações dos governos durante pandemia de COVID-19 não só paralisou o mundo por meses como provocou mudanças profundas na forma como vivemos, trabalhamos e consumimos — e o mercado de aluguéis sentiu esse impacto de forma direta e intensa. Muitos gestores ainda tentam voltar ao “normal”, como se isso fosse possível. Outros, mais atentos, perceberam que o jogo mudou — talvez para sempre.
No setor de locações, a pandemia não criou problemas inéditos, mas escancarou deficiências que sempre estiveram presentes. Ao mesmo tempo, acelerou tendências que já vinham se desenhando de forma tímida. Entender esse novo cenário é essencial para quem deseja manter uma operação de aluguéis saudável, relevante e conectada com o presente.
O que mudou de fato
1. A digitalização deixou de ser opcional
Antes da pandemia, muitas imobiliárias ainda resistiam à adoção de tecnologias: vistorias digitais, assinatura eletrônica, atendimento online, tour virtual, automações no CRM. De repente, tudo isso deixou de ser tendência e virou necessidade básica de sobrevivência.
As empresas que já estavam parcialmente digitalizadas conseguiram manter o mínimo de operação durante o isolamento. Já aquelas que dependiam exclusivamente do papel, da caneta e do “vem aqui no escritório” simplesmente pararam.
Hoje, o cliente espera resolver tudo pelo celular. E não vai aceitar voltar a preencher papelada, agendar reuniões presenciais para tarefas simples ou esperar dias por uma resposta. A digitalização virou parte da identidade da empresa.
2. A casa ganhou novo significado
O confinamento obrigou as pessoas a viverem intensamente seus lares. O imóvel alugado passou a ser também escritório, escola, academia, espaço de lazer e refúgio emocional. Isso alterou profundamente a relação emocional com o imóvel.
Com isso, aumentaram as exigências de qualidade, conforto e manutenção. Imóveis mal localizados, mal conservados ou sem boa ventilação passaram a ser rapidamente descartados pelos inquilinos. A gestão de locações teve que se adaptar a um novo tipo de expectativa — mais exigente, mais consciente e menos tolerante.
3. O perfil do inquilino e do proprietário mudou
A pandemia também provocou uma rotatividade atípica: muitas pessoas mudaram de cidade, de bairro, de estilo de vida. O home office levou famílias para cidades menores. A instabilidade econômica aumentou a procura por imóveis mais baratos e investidores buscaram ativos mais seguros e previsíveis, como imóveis de aluguel.
Essas mudanças exigem das imobiliárias uma leitura mais precisa dos novos perfis de público. O que funcionava para o inquilino típico de 2019 pode não funcionar para o de 2025. E o mesmo vale para o proprietário: ele também quer mais previsibilidade, mais transparência e menos dor de cabeça.
4. A negociação virou parte essencial da rotina
A pandemia expôs a fragilidade das relações que se sustentavam apenas pelo contrato. Quando os boletos deixaram de ser pagos, o que definiu a continuidade da locação foi a capacidade de dialogar, negociar e encontrar soluções humanas.
Reduções temporárias, carência, parcelamento — tudo isso virou parte da rotina de quem atua com aluguéis. E mostrou que a rigidez absoluta é tão perigosa quanto a permissividade total. Hoje, mais do que nunca, o gestor de locações precisa ser um mediador capaz de equilibrar justiça, empatia e sustentabilidade financeira.
5. A gestão profissional ganhou protagonismo
Imobiliárias mal organizadas, com processos improvisados e equipes despreparadas, simplesmente não conseguiram sustentar a operação no momento de maior crise. Em contrapartida, aquelas que já trabalhavam com processos bem definidos, tecnologia e visão estratégica atravessaram o período com mais resiliência.
O aluguel deixou de ser uma simples transação mensal e passou a ser entendido como um serviço complexo, que envolve atendimento, relacionamento, tecnologia, jurídico, financeiro e gestão de risco. A profissionalização deixou de ser um diferencial e passou a ser uma questão de permanência no mercado.
O que ficou mais evidente
1. A cultura do improviso é um risco permanente
Muitas empresas perceberam, tarde demais, que não tinham planos de contingência, backups, fluxos alternativos ou estrutura mínima para lidar com o inesperado. O improviso, que antes parecia uma solução criativa, mostrou-se um veneno lento. A pandemia apenas acelerou os sintomas.
2. Relacionamento é mais importante do que controle
Contratos, garantias e regras são importantes — mas não sustentam uma relação em tempos de crise. O que manteve muitos aluguéis ativos durante a pandemia foi a construção prévia de confiança entre as partes. Gestores que tratavam inquilinos e proprietários como números perderam contratos. Quem construiu vínculo colheu fidelidade.
3. A comunicação é o coração da operação
A crise deixou claro que comunicação ruim gera pânico, desinformação e conflitos. Imobiliárias que investiram em canais de atendimento claros, respostas rápidas e linguagem humanizada conseguiram minimizar danos. As outras colapsaram sob o peso das próprias dúvidas e atrasos.
4. Inadimplência exige estratégia, não desespero
O aumento da inadimplência foi inevitável. Mas a forma de lidar com ela fez toda a diferença. Empresas que já tinham uma régua de cobrança bem desenhada, abordagem empática e política clara de negociação conseguiram recuperar boa parte dos valores. Quem agiu apenas com ameaças ou deixou tudo por conta do jurídico, perdeu.
5. A operação precisa ser enxuta, mas não frágil
Reduzir custos virou mantra durante a pandemia. Mas muitos descobriram que cortar equipes, encerrar contratos de ferramentas e abandonar processos estruturantes enfraquece a operação no médio e longo prazo. O equilíbrio entre eficiência e robustez é um aprendizado valioso que veio para ficar.
Um novo normal que exige uma nova mentalidade
O mundo pós-pandemia não é uma continuação do anterior com ajustes — é um terreno novo, com regras e comportamentos diferentes. Para o mercado de aluguéis, isso significa rever o papel da imobiliária, abandonar a lógica transacional e abraçar uma visão de serviço contínuo e humano.
Mais do que adaptar-se, é preciso liderar essa mudança. As empresas que assumirem esse protagonismo colherão mais que resultados financeiros: serão reconhecidas como agentes de transformação em um setor que, por muito tempo, se agarrou ao passado.